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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Eu Não Sou Sábado




Um dos meus autores favoritos é, sem dúvida alguma, G. K. Chesterton. Sinto como se eu o conhecesse pessoalmente, como um velho amigo, ou mesmo, como um Eu em sua época. Não que eu me equipare ao mesmo em genialidade, mas consigo me identificar tanto com ele, que sinto como se ele conseguisse se expressar do modo como eu gostaria de poder fazê-lo.
Carinho especial eu tenho pelo livro Ortodoxia, livro que a propósito inspirou diversos outros autores e linhas de pensamento.
Mas não vou me deter, pelo menos nesse post, a tal herança que Chesterton deixou para a humanidade. Mas sim, citar um outro livro não menos digno de sua obra. The Man Who Was Thursday – O Homem que Era Quinta-feira.
Esta maravilha em forma de literatura discorre sobre rivalidade entre dois filósofos com perspectivas opostas que não conseguem se entender em meio a um aparente armagedom no qual, baseados numa torrente intelectual, o que mais importa para eles é quem tem razão. Mas para quem lê, não há herói ou vilão. Apenas pontos de vista divergentes fundamentados em sua devida coerência, mas ao mesmo tempo, com a veemência de surtos esquizofrênicos! Delírio real ou realidade delirante. É excelente.
Os antagonistas deliberam acerca dos mais variados temas, veículo este que proporciona ao escritor um cenário para fazer um plantio cujas sementes são política, religião, sociedade, educação, etc.
Eis abaixo um trecho deveras pertinente que trago em itálico para que possa ser acompanhado por quem tenha curiosidade, para acréscimo de informações, mas logo após, volto com a fonte vigente resgatando o post atual.

— Boa noite!
Syme, em plena crise de mórbido temor pela sorte da
humanidade, sentiu-se espicaçado com a simples e mecânica
cortesia do funcionário, que, ali ao crepúsculo, não passava
de uma indistinta figura azulada.
— Será mesmo uma boa noite? disse mordazmente. Vocês
são capazes de achar boa a noite do fim do mundo. Veja
este céu, veja este rio: vermelhos, sangrentos! Garanto que
se isso fosse rigorosamente sangue humano, espalhado e cintilante,
você continuaria aqui perpètuamente impassível, a inspecionar
pobres transeuntes inofensivos e a ordenar-lhes que
se dispersassem. Vocês da polícia são cruéis com os pobres,
mas eu poderia perdoar a crueldade de vocês não fosse esta
calma que vocês afetam.
— Se temos calma, replicou o guarda, é a calma da resistência
organizada.
— Ah é? disse Syme admirado.
— O soldado deve ter calma no aceso da batalha, continuou
o guarda. A disciplina de um exército é a cólera de uma
nação.
— Valha-me Deus! As Escolas Públicas! É essa a educação
não-sectária?
— Não, disse o guarda com tristeza. Não gozei nunca
desses privilégios. Não sou do tempo das Escolas Públicas.
Temo que a minha educação tenha sido muito rudimentar e
obsoleta.
— Onde você estudou? inquiriu Syme curioso.
— Oh, em Harrow, respondeu o guarda.
— As simpatias de classe, por mais falsas que sejam, são,
não obstante, para muitas pessoas as coisas mais verdadeiras
do mundo. E Syme sentiu-as explodirem dentro de si antes
que pudesse refreá-las.
— Mas homem, por Deus! Você não devia ser da polícia.
O guarda suspirou e meneou a cabeça.
— Tem razão, disse solenemente. Eu sei que não sou
digno.
— Mas por que você ingressou na polícia? interrogou
Syme com rude curiosidade.
— Exatamente pelo mesmo motivo que você tem de insultar
a polícia. Descobri que havia no serviço uma oportunidade
especial para aqueles, cujos temores pela sorte da humanidade
dizem respeito antes às aberrações do intelecto cien42
tífico que aos normais e desculpáveis, ainda que excessivos,
distúrbios da vontade humana. Espero que tenha sido claro.
— Se você se refere a suas opiniões, acho que as exprimiu
claramente, disse Syme. Mas quanto a ter-se explicado
está longe ainda. Como é que um homem como você bota
um elmo azul e vem filosofar aqui no aterro?
— Evidentemente você nada sabe dos últimos desenvolvimentos
do nosso sistema policial, retorquiu o guarda. Aliás,
isso não me surpreende. Nós os mantemos em segredo, a
coberto das classes cultas, porque são estas que abrigam a
maior parcela de nossos inimigos. Mas parece que o seu espírito
já está predisposto... Penso que você podia alistar-se.
— Alistar-me em quê? perguntou Syme.
— Explicarei tudo, disse o guarda calmamente. A situação
é esta: o chefe de um dos nossos departamentos, detetive dos
mais célebres de toda a Europa, vem desde muito tempo suspeitando
de uma conspiração puramente intelectual que em
breve ameaçará a própria existência da civilização. Está convicto
de que os mundos artísticos e científicos se unem secretamente
numa cruzada contra a Família e o Estado. Por esta
razão, êle ideou uma especial corporação de detetives, detetives
que são também filósofos. A função deles é investigar as
origens dessa conspirata e combatê-la, não só no sentido meramente
criminal, mas no terreno da controvérsia. Eu sou democrata
e creio no valor do homem comum em questões de intrepidez
e virtudes comuns. Mas não seria aconselhável, obviamente,
o emprego do polícia mediano numa investigação que
é, ao mesmo tempo, uma caça à heresia.
Os olhos de Syme brilhavam de curiosidade e simpatia.
— O que é que fazem então? perguntou.
— A missão do polícia-filósofo, respondeu o homem de
azul, é mais arriscada e mais sutil do que a do simples detetive.
O detetive comum vai às cervejarias capturar ladrões; nós nos
dirigimos ao serões artísticos para descobrir pessimistas. Através
das páginas de um razão ou de um diário os detetives
comuns descobrem que se cometeu um crime. Nós, através
de um livro de sonetos, descobrimos que um crime está para
ser cometido. Temos que seguir desde a origem a pista daqueles
pensamentos terríveis que conduzem os homens ao fanatismo
intelectual e, por fim, ao crime intelectual. Há pouco,
tivemos de correr bastante para chegarmos a tempo de impedir
um assassínio em Hartlepool. O nosso êxito se deveu exclusi-
vãmente à argúcia do jovem Mr. Wilks, nosso companheiro,
que atinara com o sentido exato de umas oitavas que havia
lido.
— Quer dizer, inquiriu Syme, que há realmente tal conexão
entre o crime e a inteligência moderna?
— Você não é suficientemente democrata, replicou o
guarda, mas tinha razão há pouco quando disse que o tratamento
que dispensamos usualmente aos criminosos pobres é
um tanto brutal. Garanto-lhe que abomino meu ofício quando,
algumas vezes, sinto que êle consiste apenas numa guerra
aos ignorantes e desesperados. Mas este nosso novo movimento
é uma empresa muito diferente. Procuramos dar um desmentido
ao pretensioso axioma inglês que diz que os incultos
são os criminosos temíveis. Lembramo-nos dos imperadores
romanos, dos príncipes da Renascença, grandes envenenadores.
Afirmamos que o criminoso temível é o criminoso culto.
Afirmamos que o criminoso mais temível destes tempos é o
filósofo moderno inteiramente bárbaro. Comparados com êle,
arrombadores e bígamos são homens de moralidade perfeita;
meu coração me leva para o lado deles. Aceitam o ideal essencial
do homem; só que o procuram erroneamente. Os ladrões
respeitam a propriedade; só que desejam que a propriedade
se torne propriedade deles para que possam respeitá-la
mais e melhor. Mas os filósofos condenam a propriedade enquanto
propriedade, querem destruir a simples idéia da posse
pessoal. Os bígamos respeitam o matrimônio, ou então não levariam
a cabo a formalidade altamente cerimoniosa e ritualística
da bigamia. Mas os filósofos desprezam o casamento como casamento.
Os assassinos respeitam a vida humana; apenas desejam
obter para si mesmos uma abundância maior de vida humana,
com o sacrifício daquelas que lhes parecem vidas menores.
Mas os filósofos odeiam a vida mesma, a deles e
a dos outros.
Syme pôs-se a bater palmas.
— Isso é verdadeiro! bradou. Tenho pensado assim desde
a infância, mas nunca pude estabelecer a antítese verbal. O
criminoso vulgar é um mau sujeito, mas é, em todo caso, condicionalmente
bom. Desde que um determinado obstáculo —
um tio rico, por exemplo — seja removido, está pronto para
aceitar o universo e louvar a Deus. É reformador, não é anarquista.
Pretende limpar o edifício e não destruí-lo. Mas o filósofo
pernicioso não tenta alterar as coisas; quer aniquilá-las.
Sim, o mundo moderno conservou todas aquelas facetas realmente
opressivas e ignominiosas da função policial, como saquear
os pobres e perseguir os infortunados. Abandonou a
obra mais digna: a punição dos poderosos traidores do Estado
e dos poderosos heresiarcas da Igreja. Os modernistas dizem
que não devemos punir os heréticos. Minha única dúvida reside
em saber se temos o direito de punir alguém mais.
— Mas isto é absurdo! exclamou o guarda, esfregando
as mãos numa excitação inusitada em pessoas da sua categoria
e dos seus hábitos. Mas é inexplicável! Não sei o que você
fêz, mas sei que está desperdiçando sua vida. Você deve,
com urgência, alistar-se em nosso exército especial para lutar
contra a anarquia. Os exércitos de nossos inimigos estão em
nossas fronteiras. Apertam o cerco. Um momento mais e você
poderá ser excluído da glória de trabalhar conosco e talvez
da glória de morrer com os últimos heróis do mundo.
— Realmente é uma oportunidade que não se deve desperdiçar,
anuiu Syme. Mas ainda não entendi tudo. Sei, tanto
quanto qualquer outro, que o mundo moderno está cheio de
homenzinhos sem lei e de pequenos movimentos absurdos. Mas,
selvagens como eles são, têm geralmente o mérito de discordarem
uns dos outros. Como é que você pode dizer que chefiam
um exército ou organizam uma investida? Que espécie de
anarquia é esta?
— Não a confunda, redargüiu o guarda, com essas fortuitas
explosões de dinamite na Rússia e na Irlanda, que são
efetivamente as explosões de homens oprimidos, se bem que
desorientados. Falo de um vasto movimento filosófico, composto
de dois círculos: um externo e outro interno. Pode dizerse
mesmo que o círculo externo é o dos leigos e que o interno
é o do sacerdócio. Prefiro dizer que o círculo externo é do
setor inocente e que o interno é o setor supremamente culpado.
Os do círculo externo, que formam a copiosa massa dos sectários,
são simples anarquistas, isto é, homens que acreditam
que as normas e as fórmulas destruíram a felicidade humana.
Crêem que todos os funestos efeitos do crime são conseqüências
normais do sistema que lhe deu o nome de crime. Não
crêem que o crime gera o castigo. Crêem que o castigo gerou
o crime. Para eles, o homem que seduziu sete mulheres deveria
naturalmente passar impune como as flores da primavera. Para
eles o punguista é naturalmente um sujeito de sentimentos delicadamente
generosos. Estes eu filio ao setor dos inocentes.
— Oh! murmurou Syme.
— É natural, portanto, que estas pessoas falem no advento
de uma era de felicidade, no paraíso do futuro, numa
humanidade liberta da servidão do vício e da servidão da virtude,
e de coisas semelhantes. Assim também falam os do
círculo interno, os do sacerdócio sagrado. Também falam para
as multidões aclamadoras da felicidade futura e da humanidade
que um dia será livre. Mas em suas bocas (e aqui o guarda
baixou a voz), em suas bocas essas frases ditosas têm uma
significação aterradora. Eles não têm ilusões; são demasiadamente
intelectuais para crer que neste mundo o homem possa
libertar-se uma vez sequer do pecado original e do combate.
Suas palavras querem dizer morte. Quando asseveram que a
humanidade há de ser livre algum dia, têm em mente que a
humanidade há de suicidar-se. Quando falam de um paraíso
fora do bem e do mal, têm em mente o túmulo. Visam apenas
dois objetivos: destruir primeiro a humanidade e depois destruírem-
se a si mesmos. É este o motivo por que lançam bombas
em vez de disparar pistolas. A tropa dos inocentes fica desapontada
ao ver que a bomba não matou o rei, mas o alto
sacerdócio regozija-se por saber que matou alguém.

Retomando, creio que haja um sistema que conspira mim. Eu certamente não sou Sábado.

                Sinto muito. Nem imaginam o quanto, mas de acordo com o sistema, eu não posso estar incluído numa convenção chamada Sábado.
                Não me refiro por convenção à santificação de tal dia. Mas a ideia que se tem a respeito desse dia não se aplica a mim de maneira alguma.
                Sei que não sou o único, e por sinal, a quem passe por coisa pior, mas comecei a escrever tal texto como esclarecimento. Que o seu Sábado, é provavelmente diferente do meu sábado. Pois no sábado, não sou eu.

                O sábado foi feito para o homem, e o não o homem para o sábado. – A aplicação de tal passagem para mim é única e simplesmente de que o sábado foi feito para mim, mas não posso usufruir dele.

                É quase unânime quando me chamam para fazer algo: “Vamos no sábado, afinal, é a folga de todo mundo”. Não imaginam o quão extraterrestre me sinto ao ouvir tal coisa. Pois não sou como todo o mundo. E como disse, sei que há piores, mas o sábado não é minha folga.

                Todo sábado alguém se contraria comigo. Portanto, desde já, se for ficar chateado comigo, saiba logo que:

*Eu provavelmente não atenderei o seu telefonema no sábado. Eu já sou ruim com telefone por natureza, mas no sábado sou muito pior.
                Em dia normal de trabalho, de Segunda a Sexta-feira, pode ser que eu retorne ou dê toque de volta para você. Embora de modo limitado, esforçar-me-ei.
                Mas no sábado, não se surpreenda se ficar no vácuo.

*Eu provavelmente não responderei seu e-mail; Facebook; Orkut; Twitter; Linked In; Tumblr; MySpace; Sônico; Gazag e afins.
                Há dias que sou mais ativo nessas redes, há dias que sou menos ativo. No Sábado, provavelmente, não serei de ativo de modo algum.

*Eu provavelmente não me encontrarei com você no Sábado. Sei que devo encontros a torto e a direito, mas no sábado: “Devo, não nego. Pago quando puder.”

                Enfim, desde que comecei a trabalhar, o sábado nunca foi uma opção, mas sim um requisito mínimo. Hoje tenho a utopia de sair desta conspiração que sabatina. Eu tenho um sonho de poder cumprir o descanso do sétimo dia.
                Mas por ora, eu provavelmente me ausentarei de você no Sábado. Eu certamente me ausentarei de mim. No fim do dia estará o que resta das minhas faculdades mentais tentando se restabelecer da experiência fora do corpo, e das pessoas que nesse dia magoar-se-ão comigo, por ser sábado. É tradição.
                Então, uma vez que minha consciência volte ao seu lugar, darei graças a Deus pelo Domingo.
                E sim, Domingo eu pretendo ir à igreja.

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