Um dos meus autores favoritos é,
sem dúvida alguma, G. K. Chesterton. Sinto como se eu o conhecesse
pessoalmente, como um velho amigo, ou mesmo, como um Eu em sua época. Não que
eu me equipare ao mesmo em genialidade, mas consigo me identificar tanto com
ele, que sinto como se ele conseguisse se expressar do modo como eu gostaria de
poder fazê-lo.
Carinho especial eu tenho pelo
livro Ortodoxia, livro que a propósito inspirou diversos outros autores e
linhas de pensamento.
Mas não vou me deter, pelo menos
nesse post, a tal herança que Chesterton deixou para a humanidade. Mas sim,
citar um outro livro não menos digno de sua obra. The Man Who Was Thursday – O Homem
que Era Quinta-feira.
Esta maravilha em forma de
literatura discorre sobre rivalidade entre dois filósofos com perspectivas
opostas que não conseguem se entender em meio a um aparente armagedom no qual,
baseados numa torrente intelectual, o que mais importa para eles é quem tem
razão. Mas para quem lê, não há herói ou vilão. Apenas pontos de vista
divergentes fundamentados em sua devida coerência, mas ao mesmo tempo, com a
veemência de surtos esquizofrênicos! Delírio real ou realidade delirante. É
excelente.
Os antagonistas deliberam acerca
dos mais variados temas, veículo este que proporciona ao escritor um cenário
para fazer um plantio cujas sementes são política, religião, sociedade,
educação, etc.
Eis abaixo um trecho deveras
pertinente que trago em itálico para
que possa ser acompanhado por quem tenha curiosidade, para acréscimo de
informações, mas logo após, volto com a fonte vigente resgatando o post atual.
— Boa noite!
Syme, em plena
crise de mórbido temor pela sorte da
humanidade,
sentiu-se espicaçado com a simples e mecânica
cortesia do
funcionário, que, ali ao crepúsculo, não passava
de uma indistinta
figura azulada.
— Será mesmo uma
boa noite? disse mordazmente. Vocês
são capazes de
achar boa a noite do fim do mundo. Veja
este céu, veja este
rio: vermelhos, sangrentos! Garanto que
se isso fosse
rigorosamente sangue humano, espalhado e cintilante,
você continuaria
aqui perpètuamente impassível, a inspecionar
pobres transeuntes
inofensivos e a ordenar-lhes que
se dispersassem.
Vocês da polícia são cruéis com os pobres,
mas eu poderia
perdoar a crueldade de vocês não fosse esta
calma que vocês
afetam.
— Se temos calma,
replicou o guarda, é a calma da resistência
organizada.
— Ah é? disse Syme
admirado.
— O soldado deve
ter calma no aceso da batalha, continuou
o guarda. A
disciplina de um exército é a cólera de uma
nação.
— Valha-me Deus! As
Escolas Públicas! É essa a educação
não-sectária?
— Não, disse o
guarda com tristeza. Não gozei nunca
desses privilégios.
Não sou do tempo das Escolas Públicas.
Temo que a minha
educação tenha sido muito rudimentar e
obsoleta.
— Onde você
estudou? inquiriu Syme curioso.
— Oh, em Harrow, respondeu
o guarda.
— As simpatias de
classe, por mais falsas que sejam, são,
não obstante, para
muitas pessoas as coisas mais verdadeiras
do mundo. E Syme
sentiu-as explodirem dentro de si antes
que pudesse
refreá-las.
— Mas homem, por
Deus! Você não devia ser da polícia.
O guarda suspirou e
meneou a cabeça.
— Tem razão, disse
solenemente. Eu sei que não sou
digno.
— Mas por que você
ingressou na polícia? interrogou
Syme com rude
curiosidade.
— Exatamente pelo
mesmo motivo que você tem de insultar
a polícia. Descobri
que havia no serviço uma oportunidade
especial para
aqueles, cujos temores pela sorte da humanidade
dizem respeito
antes às aberrações do intelecto cien42
tífico
que aos normais e desculpáveis, ainda que excessivos,
distúrbios
da vontade humana. Espero que tenha sido claro.
—
Se você se refere a suas opiniões, acho que as exprimiu
claramente,
disse Syme. Mas quanto a ter-se explicado
está
longe ainda. Como é que um homem como você bota
um
elmo azul e vem filosofar aqui no aterro?
—
Evidentemente você nada sabe dos últimos desenvolvimentos
do
nosso sistema policial, retorquiu o guarda. Aliás,
isso
não me surpreende. Nós os mantemos em segredo, a
coberto
das classes cultas, porque são estas que abrigam a
maior
parcela de nossos inimigos. Mas parece que o seu espírito
já
está predisposto... Penso que você podia alistar-se.
—
Alistar-me em quê? perguntou Syme.
—
Explicarei tudo, disse o guarda calmamente. A situação
é
esta: o chefe de um dos nossos departamentos, detetive dos
mais
célebres de toda a Europa, vem desde muito tempo suspeitando
de
uma conspiração puramente intelectual que em
breve
ameaçará a própria existência da civilização. Está convicto
de
que os mundos artísticos e científicos se unem secretamente
numa
cruzada contra a Família e o Estado. Por esta
razão,
êle ideou uma especial corporação de detetives, detetives
que
são também filósofos. A função deles é investigar as
origens
dessa conspirata e combatê-la, não só no sentido meramente
criminal,
mas no terreno da controvérsia. Eu sou democrata
e
creio no valor do homem comum em questões de intrepidez
e
virtudes comuns. Mas não seria aconselhável, obviamente,
o
emprego do polícia mediano numa investigação que
é,
ao mesmo tempo, uma caça à heresia.
Os
olhos de Syme brilhavam de curiosidade e simpatia.
—
O que é que fazem então? perguntou.
—
A missão do polícia-filósofo, respondeu o homem de
azul,
é mais arriscada e mais sutil do que a do simples detetive.
O
detetive comum vai às cervejarias capturar ladrões; nós nos
dirigimos
ao serões artísticos para descobrir pessimistas. Através
das
páginas de um razão ou de um diário os detetives
comuns
descobrem que se cometeu um crime. Nós, através
de
um livro de sonetos, descobrimos que um crime está para
ser
cometido. Temos que seguir desde a origem a pista daqueles
pensamentos
terríveis que conduzem os homens ao fanatismo
intelectual
e, por fim, ao crime intelectual. Há pouco,
tivemos
de correr bastante para chegarmos a tempo de impedir
um
assassínio em Hartlepool. O nosso êxito se deveu exclusi-
vãmente
à argúcia do jovem Mr. Wilks, nosso companheiro,
que
atinara com o sentido exato de umas oitavas que havia
lido.
—
Quer dizer, inquiriu Syme, que há realmente tal conexão
entre
o crime e a inteligência moderna?
—
Você não é suficientemente democrata, replicou o
guarda,
mas tinha razão há pouco quando disse que o tratamento
que
dispensamos usualmente aos criminosos pobres é
um
tanto brutal. Garanto-lhe que abomino meu ofício quando,
algumas
vezes, sinto que êle consiste apenas numa guerra
aos
ignorantes e desesperados. Mas este nosso novo movimento
é
uma empresa muito diferente. Procuramos dar um desmentido
ao
pretensioso axioma inglês que diz que os incultos
são
os criminosos temíveis. Lembramo-nos dos imperadores
romanos,
dos príncipes da Renascença, grandes envenenadores.
Afirmamos
que o criminoso temível é o criminoso culto.
Afirmamos
que o criminoso mais temível destes tempos é o
filósofo
moderno inteiramente bárbaro. Comparados com êle,
arrombadores
e bígamos são homens de moralidade perfeita;
meu
coração me leva para o lado deles. Aceitam o ideal essencial
do
homem; só que o procuram erroneamente. Os ladrões
respeitam
a propriedade; só que desejam que a propriedade
se
torne propriedade deles para que possam respeitá-la
mais
e melhor. Mas os filósofos condenam a propriedade enquanto
propriedade,
querem destruir a simples idéia da posse
pessoal.
Os bígamos respeitam o matrimônio, ou então não levariam
a
cabo a formalidade altamente cerimoniosa e ritualística
da
bigamia. Mas os filósofos desprezam o casamento como casamento.
Os
assassinos respeitam a vida humana; apenas desejam
obter
para si mesmos uma abundância maior de vida humana,
com
o sacrifício daquelas que lhes parecem vidas menores.
Mas
os filósofos odeiam a vida mesma, a deles e
a
dos outros.
Syme
pôs-se a bater palmas.
—
Isso é verdadeiro! bradou. Tenho pensado assim desde
a
infância, mas nunca pude estabelecer a antítese verbal. O
criminoso
vulgar é um mau sujeito, mas é, em todo caso, condicionalmente
bom.
Desde que um determinado obstáculo —
um
tio rico, por exemplo — seja removido, está pronto para
aceitar
o universo e louvar a Deus. É reformador, não é anarquista.
Pretende
limpar o edifício e não destruí-lo. Mas o filósofo
pernicioso
não tenta alterar as coisas; quer aniquilá-las.
Sim,
o mundo moderno conservou todas aquelas facetas realmente
opressivas
e ignominiosas da função policial, como saquear
os
pobres e perseguir os infortunados. Abandonou a
obra
mais digna: a punição dos poderosos traidores do Estado
e
dos poderosos heresiarcas da Igreja. Os modernistas dizem
que
não devemos punir os heréticos. Minha única dúvida reside
em
saber se temos o direito de punir alguém mais.
—
Mas isto é absurdo! exclamou o guarda, esfregando
as
mãos numa excitação inusitada em pessoas da sua categoria
e
dos seus hábitos. Mas é inexplicável! Não sei o que você
fêz,
mas sei que está desperdiçando sua vida. Você deve,
com
urgência, alistar-se em nosso exército especial para lutar
contra
a anarquia. Os exércitos de nossos inimigos estão em
nossas
fronteiras. Apertam o cerco. Um momento mais e você
poderá
ser excluído da glória de trabalhar conosco e talvez
da
glória de morrer com os últimos heróis do mundo.
—
Realmente é uma oportunidade que não se deve desperdiçar,
anuiu
Syme. Mas ainda não entendi tudo. Sei, tanto
quanto
qualquer outro, que o mundo moderno está cheio de
homenzinhos
sem lei e de pequenos movimentos absurdos. Mas,
selvagens
como eles são, têm geralmente o mérito de discordarem
uns
dos outros. Como é que você pode dizer que chefiam
um
exército ou organizam uma investida? Que espécie de
anarquia
é esta?
—
Não a confunda, redargüiu o guarda, com essas fortuitas
explosões
de dinamite na Rússia e na Irlanda, que são
efetivamente
as explosões de homens oprimidos, se bem que
desorientados.
Falo de um vasto movimento filosófico, composto
de
dois círculos: um externo e outro interno. Pode dizerse
mesmo
que o círculo externo é o dos leigos e que o interno
é
o do sacerdócio. Prefiro dizer que o círculo externo é do
setor
inocente e que o interno é o setor supremamente culpado.
Os
do círculo externo, que formam a copiosa massa dos sectários,
são
simples anarquistas, isto é, homens que acreditam
que
as normas e as fórmulas destruíram a felicidade humana.
Crêem
que todos os funestos efeitos do crime são conseqüências
normais
do sistema que lhe deu o nome de crime. Não
crêem
que o crime gera o castigo. Crêem que o castigo gerou
o
crime. Para eles, o homem que seduziu sete mulheres deveria
naturalmente
passar impune como as flores da primavera. Para
eles
o punguista é naturalmente um sujeito de sentimentos delicadamente
generosos.
Estes eu filio ao setor dos inocentes.
—
Oh! murmurou Syme.
—
É natural, portanto, que estas pessoas falem no advento
de
uma era de felicidade, no paraíso do futuro, numa
humanidade
liberta da servidão do vício e da servidão da virtude,
e
de coisas semelhantes. Assim também falam os do
círculo
interno, os do sacerdócio sagrado. Também falam para
as
multidões aclamadoras da felicidade futura e da humanidade
que
um dia será livre. Mas em suas bocas (e aqui o guarda
baixou
a voz), em suas bocas essas frases ditosas têm uma
significação
aterradora. Eles não têm ilusões; são demasiadamente
intelectuais
para crer que neste mundo o homem possa
libertar-se
uma vez sequer do pecado original e do combate.
Suas
palavras querem dizer morte. Quando asseveram que a
humanidade
há de ser livre algum dia, têm em mente que a
humanidade
há de suicidar-se. Quando falam de um paraíso
fora
do bem e do mal, têm em mente o túmulo. Visam apenas
dois
objetivos: destruir primeiro a humanidade e depois destruírem-
se
a si mesmos. É este o motivo por que lançam bombas
em
vez de disparar pistolas. A tropa dos inocentes fica desapontada
ao
ver que a bomba não matou o rei, mas o alto
sacerdócio
regozija-se por saber que matou alguém.
Retomando, creio que
haja um sistema que conspira mim. Eu certamente não sou Sábado.
Sinto muito. Nem imaginam o quanto, mas de acordo com
o sistema, eu não posso estar incluído numa convenção chamada Sábado.
Não me refiro por convenção à santificação de tal
dia. Mas a ideia que se tem a respeito desse dia não se aplica a mim de maneira
alguma.
Sei que não sou o único, e por sinal, a quem passe
por coisa pior, mas comecei a escrever tal texto como esclarecimento. Que o seu
Sábado, é provavelmente diferente do meu sábado. Pois no sábado, não sou eu.
O sábado foi
feito para o homem, e o não o homem para o sábado. – A aplicação de tal
passagem para mim é única e simplesmente de que o sábado foi feito para mim,
mas não posso usufruir dele.
É quase unânime quando me chamam para fazer algo: “Vamos
no sábado, afinal, é a folga de todo mundo”. Não imaginam o quão extraterrestre
me sinto ao ouvir tal coisa. Pois não sou como todo o mundo. E como disse, sei
que há piores, mas o sábado não é minha folga.
Todo sábado alguém se contraria comigo. Portanto,
desde já, se for ficar chateado comigo, saiba logo que:
*Eu provavelmente não
atenderei o seu telefonema no sábado. Eu já sou ruim com telefone por natureza,
mas no sábado sou muito pior.
Em dia normal de trabalho, de Segunda a Sexta-feira,
pode ser que eu retorne ou dê toque de volta para você. Embora de modo
limitado, esforçar-me-ei.
Mas no sábado, não se surpreenda se ficar no vácuo.
*Eu provavelmente não
responderei seu e-mail; Facebook; Orkut; Twitter; Linked In; Tumblr; MySpace;
Sônico; Gazag e afins.
Há dias que sou mais ativo nessas redes, há dias que sou
menos ativo. No Sábado, provavelmente, não serei de ativo de modo algum.
*Eu provavelmente não me
encontrarei com você no Sábado. Sei que devo encontros a torto e a direito, mas
no sábado: “Devo, não nego. Pago quando puder.”
Enfim, desde que comecei a trabalhar, o sábado nunca
foi uma opção, mas sim um requisito mínimo. Hoje tenho a utopia de sair desta
conspiração que sabatina. Eu tenho um sonho de poder cumprir o descanso do
sétimo dia.
Mas por ora, eu provavelmente me ausentarei de você
no Sábado. Eu certamente me ausentarei de mim. No fim do dia estará o que resta
das minhas faculdades mentais tentando se restabelecer da experiência fora do
corpo, e das pessoas que nesse dia magoar-se-ão comigo, por ser sábado. É
tradição.
Então, uma vez que minha consciência volte ao seu
lugar, darei graças a Deus pelo Domingo.
E sim, Domingo eu pretendo ir à igreja.